quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ladeira à Baixo


Éramos uma turma de 5 amigos que iam na carroceria da caminhonete GemeC. Na gabine iam meu pai e o peão. A gente não ligava, porque na carroceria é que era bom. Fazíamos uma bagunça danada no percurso de estrada de terra que ia da cidadezinha até a fazenda.
Todos éramos os típicos caras urbanos que quando criança, jogavam bolinha de gude no tapete da sala. Todos menos o "Cú-di-frango".
Geralmente em histórias reais, a gente sempre altera o nome dos personagens. Mas nessa, seria impossível. Primeiro, porque eu nunca soube o nome do "Cú-di-frango", desde quando éramos crianças chamamos ele assim, graças a um apelido que o tio de um de nós, colocou naquele menino branco e magricela.
Quando me referi ao "Cú-di-frango" como diferente dos meninos urbanos, não era por se tratar de um garoto acostumado a lida bruta da vida rural. Mas pelo contrário. "Cú-di-frango" sequer jogava bolinha de gude no carpete, por ter uma coordenação motora digna de um ser desprovido de nervos e músculos.
Aquilo era um desastre ambulante. Quebrava copos, vivia tropeçando... um verdadeiro nerd de comédia americana.  "Cú-di-frango" se limitava ao computador e videogame. No auge de nossos vinte e poucos anos, o tínhamos como um amigo indispensável para qualquer evento. Isso porque, para nossa alegria, apesar de sonso, "Cú-di-frango" era animado. Não perdia nada. Azarar as gatinhas então... era com ele mesmo. E a gente ficava se acabando de tanto rir. Ele era o rei dos foras, e das gafes. Mas ele nunca desanimava. Mesmo que terminasse a noite sozinho, o que na maioria das vezes era tido como certeza, terminava animado. Animado com o "quase", animado com o "foi por pouco", animado sempre. Ele deveria ser um exemplo de esperança para nós, mas naquela época ele era o motivo de nossas alegrias.
Todos éramos acostumados a fazer essa viagem para a fazenda duas vezes por ano, durante as férias. Mas para o "Cú-di-frango", essa era a primeira vez. Para ele que cresceu na cidade, superprotegido pelos pais ausentes que nunca o deixaram viajar conosco, tudo era novidade. O gado, a pastagem meia seca pelo clima, os pássaros... tudo. Ele olhava tudo, boquiaberto. Faltava babar.
E de vez em quando a gente se cutucava para mostrar uns aos outros a cara dele impressionado com alguma coisa.
E aproveitando a animação do nosso amigo, fizemos ele descer para abrir para todas as porteiras. E cada porteira, cada colchete. Era uma festa. Meu pai perdia a paciência. Tinha hora que o peão tinha que descer para ajudar. E agente se acabando de tanto rir. E ele sempre disposto e feliz.
Em uma dessas paradas, em frente a uma porteira, eis que surge na beira da estrada um Tatu. E era um tatu bem grande, e logo ficamos em alvoroço. Gritamos logo para o "Cú-di-frango": Olha o Tatu! Olha o Tatu!
Ele olhava para o bicho e olhava para a gente, com uma expressão de surpresa, e como se perguntasse: "E agora o que é que eu faço?"
Foi uma verdadeira confusão, já que nós quatro que estávamos na carroceria estávamos muito longe do "Cú-di-frango" e do tão desejado Tatu. Gritávamos todos ao mesmo tempo enquanto descíamos para ajudar na caçada.
O peão, que era o mais experiente na arte de "caçar-tatu" gritou da janela da caminhonete: Chuta "Cú-di-frango"! Chuta!!!
Só mais tarde o peão nos explicaria que quando se encontra um tatu de bobeira, tem que chutar e tentar virar o bicho, para evitar que ele corra.
E o que mais me impressionava era que o "Cú-di-frango", podia não ter habilidade nenhuma, mas era muito obediente. Tentou chutar o Tatu mas a sua total falta de coordenação motora falou mais alto.
Acho o Tatu era mais pesado do que o "Cú-di-frango" imaginou, e a força do chute não foi suficiente para virar o bicho, e como vinha embalado na corrida, acabou tropeçando em cima do Tatú.
O problema é que aquela parte da estrada do lado esquerdo tinha uma ladeira bem íngrime. E o "Cú-di-frango" desembestou a capotar ladeira abaixo e para piorar o Tatu foi junto.
Tinha hora que o Tatu rolava por cima, noutra era o "Cú-de-frango". E a poeira ia subindo.
Enquanto nós corríamos para tentar alcançá-los, meu pai e o peão já de fora da caminhonete, quase explodiam de tanto rir.
Lá embaixo, encontramos o "Cú-de-frango" todo esfolado tentando se levantar. Gemia algo parecido com um "annnnhaaainnnnn... annnnnhaaainnnnn...". Felizmente não passaram de arranhões. Assim que a dor passasse ele voltava a se animar.
Melhor para o Tatu, de quem não vimos nem sinal depois da queda ladeira à baixo.

Nenhum comentário: