quinta-feira, 28 de julho de 2011

Quando ela chorou...

Os momentos mais inesquecíveis com ela, foram quando eu a vi chorar.

A primeira vez que eu a vi, estava chorando. E estava lindamente triste.
Talvez por isso eu a fiz sofrer tanto. Talvez na tentativa de reviver aquele momento.
Então passei a diverti-la, fazê-la rir, e até apelei para cócegas. Rir muito até que as lágrimas caíssem dos teus olhos, e seu rosto ficasse da cor de um brilhante tomate maduro.
Em algumas vezes eu não a vi chorar, mas senti seu choro junto ao meu peito.
Noutras, senti suas lagrimas me molhar enquanto velava meu corpo em uma cama de hospital.
Em alguns momentos ela se recolhia a chorar sozinha, me privando daquela visão.
Seus choros eram diferentes para cada ocasião. Forte e incontido nos momentos em que fazia a típica tempestade em copo d’água, silencioso e reprimido quando a dor sufocava seu peito.
Acho que o choro mais marcante foi quando fechei aquela porta entre nós para sempre. E para sempre a lembrança daquele rosto marejado, desaparecendo pela fresta cada vez menor da porta a se fechar, irá me assombrar.

domingo, 24 de julho de 2011

Cheguei bem tarde.
As luzes estavam apagadas, e o vento soprava frio. Muito frio.
Parei um instante para ouvir o som da água a descer com força entre as pedras do rio.
Entrei pela porta dos fundos, pisando com cuidado no velho assoalho de madeira para não acordar as memórias do casarão.
Logo alcancei meu quarto, com suas janelas abertas a deixar o vento frio assombrar uma enorme cama a que me esperava.
Da janela olhei a noite que, lá fora, cobria meu mundo com um manto escuro.
O melhor cheiro do mundo tomou conta de meus pulmões, e eu senti estar vivo.
Um mugido bem perto me despertou daquele momento de reflexão.
Fechei a janela, e sozinho me entreguei ao sono.
Logo o dia chegaria e eu precisava me preparar para espera-lo

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ladeira à Baixo


Éramos uma turma de 5 amigos que iam na carroceria da caminhonete GemeC. Na gabine iam meu pai e o peão. A gente não ligava, porque na carroceria é que era bom. Fazíamos uma bagunça danada no percurso de estrada de terra que ia da cidadezinha até a fazenda.
Todos éramos os típicos caras urbanos que quando criança, jogavam bolinha de gude no tapete da sala. Todos menos o "Cú-di-frango".
Geralmente em histórias reais, a gente sempre altera o nome dos personagens. Mas nessa, seria impossível. Primeiro, porque eu nunca soube o nome do "Cú-di-frango", desde quando éramos crianças chamamos ele assim, graças a um apelido que o tio de um de nós, colocou naquele menino branco e magricela.
Quando me referi ao "Cú-di-frango" como diferente dos meninos urbanos, não era por se tratar de um garoto acostumado a lida bruta da vida rural. Mas pelo contrário. "Cú-di-frango" sequer jogava bolinha de gude no carpete, por ter uma coordenação motora digna de um ser desprovido de nervos e músculos.
Aquilo era um desastre ambulante. Quebrava copos, vivia tropeçando... um verdadeiro nerd de comédia americana.  "Cú-di-frango" se limitava ao computador e videogame. No auge de nossos vinte e poucos anos, o tínhamos como um amigo indispensável para qualquer evento. Isso porque, para nossa alegria, apesar de sonso, "Cú-di-frango" era animado. Não perdia nada. Azarar as gatinhas então... era com ele mesmo. E a gente ficava se acabando de tanto rir. Ele era o rei dos foras, e das gafes. Mas ele nunca desanimava. Mesmo que terminasse a noite sozinho, o que na maioria das vezes era tido como certeza, terminava animado. Animado com o "quase", animado com o "foi por pouco", animado sempre. Ele deveria ser um exemplo de esperança para nós, mas naquela época ele era o motivo de nossas alegrias.
Todos éramos acostumados a fazer essa viagem para a fazenda duas vezes por ano, durante as férias. Mas para o "Cú-di-frango", essa era a primeira vez. Para ele que cresceu na cidade, superprotegido pelos pais ausentes que nunca o deixaram viajar conosco, tudo era novidade. O gado, a pastagem meia seca pelo clima, os pássaros... tudo. Ele olhava tudo, boquiaberto. Faltava babar.
E de vez em quando a gente se cutucava para mostrar uns aos outros a cara dele impressionado com alguma coisa.
E aproveitando a animação do nosso amigo, fizemos ele descer para abrir para todas as porteiras. E cada porteira, cada colchete. Era uma festa. Meu pai perdia a paciência. Tinha hora que o peão tinha que descer para ajudar. E agente se acabando de tanto rir. E ele sempre disposto e feliz.
Em uma dessas paradas, em frente a uma porteira, eis que surge na beira da estrada um Tatu. E era um tatu bem grande, e logo ficamos em alvoroço. Gritamos logo para o "Cú-di-frango": Olha o Tatu! Olha o Tatu!
Ele olhava para o bicho e olhava para a gente, com uma expressão de surpresa, e como se perguntasse: "E agora o que é que eu faço?"
Foi uma verdadeira confusão, já que nós quatro que estávamos na carroceria estávamos muito longe do "Cú-di-frango" e do tão desejado Tatu. Gritávamos todos ao mesmo tempo enquanto descíamos para ajudar na caçada.
O peão, que era o mais experiente na arte de "caçar-tatu" gritou da janela da caminhonete: Chuta "Cú-di-frango"! Chuta!!!
Só mais tarde o peão nos explicaria que quando se encontra um tatu de bobeira, tem que chutar e tentar virar o bicho, para evitar que ele corra.
E o que mais me impressionava era que o "Cú-di-frango", podia não ter habilidade nenhuma, mas era muito obediente. Tentou chutar o Tatu mas a sua total falta de coordenação motora falou mais alto.
Acho o Tatu era mais pesado do que o "Cú-di-frango" imaginou, e a força do chute não foi suficiente para virar o bicho, e como vinha embalado na corrida, acabou tropeçando em cima do Tatú.
O problema é que aquela parte da estrada do lado esquerdo tinha uma ladeira bem íngrime. E o "Cú-di-frango" desembestou a capotar ladeira abaixo e para piorar o Tatu foi junto.
Tinha hora que o Tatu rolava por cima, noutra era o "Cú-de-frango". E a poeira ia subindo.
Enquanto nós corríamos para tentar alcançá-los, meu pai e o peão já de fora da caminhonete, quase explodiam de tanto rir.
Lá embaixo, encontramos o "Cú-de-frango" todo esfolado tentando se levantar. Gemia algo parecido com um "annnnhaaainnnnn... annnnnhaaainnnnn...". Felizmente não passaram de arranhões. Assim que a dor passasse ele voltava a se animar.
Melhor para o Tatu, de quem não vimos nem sinal depois da queda ladeira à baixo.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Na garupa da Socorro!

Eu quase me esqueci do nome dele.
Mas quando pensei em escrever sua história, as lembranças daquele tempo foram se aflorando de tal forma que até parece que foi ontem.
O nome dele era Reginaldo mas nós o chamávamos de Reginho.
Ele era bem mais novo do que qualquer um da turma. Entenda-se como turma, o conjunto de meninos e meninas que moravam naquela rua, na idade entre 7 a 10 anos.
Mas o Reginho era bem mais novo, tinha no máximo seus 4 anos.
Um fedelho que não andava com a gente. Primeiro por conta da idade, segundo porque a D. Socorro, sua mãe, não deixava.
Era uma mulher, como diria minha amiga fenix, um tanto peculiar. Super protetora - ao seu modo - e seletiva. Extremamente seletiva. Reginaldo, como ela exigia que o chamassem, não deveria andar com os outros meninos da rua.
Arrogante e esnobe, D. Socorro nunca perdia a pose. Até quando o marido a deixou por uma garota mais jovem, e certamente menos peculiar, ela sustentava a versão de que ele viajava a serviço no exterior, mostrando para as amigas - amigas não, porque isso ela não tinha - mostrando para as  vizinhas cartões postais de lugares de todo o mundo, mas que não tinham carimbo dos correios.
Até quando as contas apertaram e ela teve que vender o carro, disse a todos que iria trocar o carro velho por um modelo italiano que o marido estava para lhe mandar.
Mas para o azar do Reginho ela comprou uma bicicleta.
Era cena recorrente e comum ver D Socorro descer a ladeira em sua bicicleta com Reginho na garupa. E não tinha um dia em que Reginho não despencasse da maldita bicicleta durante o percurso pelo menos uma vez.
Parte era por culpa da D. Socorro que escolhia sempre o pior lugar da rua para conduzir a bicicleta, parte era culpa da prefeitura que não melhorava a qualidade do asfalto, e parte culpa do Reginho que, por ser pequeno, não conseguia se segurar bem na cintura de sua mãe. Este fato, jogava a culpa novamente na mãe de Reginaldo, que além de não utilizar uma cadeirinha com cinto de segurança, era possuidora de uma cintura extravagantemente avantajada.
Muitas vezes, parávamos as brincadeiras para socorrer o Reginho quando este despencava logo no inicio da jornada. Ficávamos com ele, até D. Socorro dar falta da presença do filho na garupa da bicicleta, o que geralmente acontecia somente na volta do passeio matinal.
Também era normal ver o Reginho a chegar sozinho em casa, todo arranhado e sujo quando acontecia de conseguir se segurar por um tempo maior. Por isso, hoje eu imagino que aquele garoto naquela época não ainda era esperto, conseguia voltar sozinho para casa, e que só ficou assim meio tan-tan por causa daquelas quedas.
Geralmente, algum transeunte mais solidário, gritava para a D. Socorro quando via Reginho se esborrachar nas ruas de asfalto quente e irregular de nosso bairro. Ela, de forma ainda mais peculiar gritava  com Reginho a lhe censurar, e não raramente ainda sobrava para o pobre do cristão que tentava ajudar.
Situações tão absurdas acabam se tornando normais quando passam a fazer parte de nossas rotinas.
Mas como diz o ditado: o que não nos mata, fortalece. E entre meios fios, calçadas e buracos no asfalto, Reginho cresceu forte e tenaz.
Como dizia o Seu Alfredo, o velho baiano da casa da esquina: "Eita que esse Reginho quando vai ao solo chega quica!"

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Raio X

Por que me olha assim deste jeito?

Este jeito que é tão seu!
Sinto como se teu olhar escaneasse minha alma.
É como se meus segredos estivessem à mostra diante deste teu olhar.
Está certa, eu não posso mais negar.
Você já sabe o que é tão evidente.
Eu gosto de você...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A visita do Dr.

Batiam na porta...
Ela desceu as escadas em passos rapidos e logo alcançou a maçaneta. Quando a girou, o vento quase a empurrou para tras. Ele rapidamente entrou, forçando a porta atras de si.
- Boa noite Doutor.
- Boa noite. Onde ela está?
- Lá em cima. Está muito mal.
- Então vamos subir rápido.- ele disse já vencendo os primeiros degraus.
Entraram em um quarto limpo porem à meia luz. A janela coberta por uma cortina clara, deixava tranparecer as arvores que lá fora se contorciam com a força do vento.
Na cama estava uma pessoa muito branca quase a confundir-se com os lençois umidos de suor.
- A febre está muito alta mesmo - ele disse após medir-lhe a temperatura. - pode me ouvir? - perguntou à enferma sem ter resposta.
- Ela não responde nada há dias doutor, e agora com a febre, nem parece estar neste mundo. Tudo isso por causa daquele maldido.
- Ele apareceu por aqui? - perguntou o médico com real interesse.
- Não. Não o vimos desde aquele dia.
- Como é mesmo o nome dele? *?
A doente em um impulso sobre humano, elevou-se da cama, tentando se levantar. Pos-se então a gritar. Mas sua fraqueza fazia com que seus gritos parecessem com miados de um gato cançado.
- *... É você? Você voltou para mim? ... * onde está você?
- Esta vendo doutor? É por isso que não dizemos o nome dele nesta casa.
- Ajude-me a contê-la, ela tem que ficar deitada. - alertou o médico.- segure enquanto lhe prepara uma injeção.
A paciente continuava a dizer coisas sem sentidos. Falava uma hora de amor, noutra de ódio. Falava de dias passados e de um futuro que nunca chegaria a conhecer. E equanto falava, o sedativo começava a fazer efeito. Até que aquele frágil corpo ficou imóvel. Algo parecido com a morte. Morrer deveria ser exatamente aquilo.
Desceram.
Ele e ela ainda conversaram por muito tempo. A tempestade lá fora dava sinais de enfraquecimento.
Ele lhe disse que ela ficaria bem, com os medicamentos, cuidados e muito repouso.
- Ela precisa descansar... principalmente sua mente...
- Talvez se ele estivesse aqui Doutor...
- Sim... talvez a história seria diferente - disse o médico para si enquanto deixava aquela sala e seguia ao encontro da tempestade que chegava ao fim.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Dia de sol



Por mais que eu goste do tempo frio

Por mais que as nuvens e o vento me agradem

Hoje o sol sorriu para mim.

Abraçou-me com um calor amoroso.

Aqueceu-me e secou as lágrimas dos dias passados.

Eu o recebi com um tímido "Bom Dia"

E ele me respondeu "Tenha um Ótimo Dia!"

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dialogos 1

- ...
- !!! ... Você por aqui?
- Surpresa?
- Sim, eu não esperava te ver aqui.
- É... eu acho que precisava vir.

- E porque veio?

- Sinceramente nem eu mesmo sei direito... Pensando bem, acho que
estou indo.

- ... espera!

- O que foi?

- Já que está aqui, você podia ficar.

- Ficar para quê?

- Conversar... Falar da vida... Dos problemas... sei lá. Falar dos amores...

- Não... é melhor eu ir.

- O que foi? Foi alguma coisa que eu disse?

- Você sabe que eu só tenho um amor.

- ...

- ...

- Você tem razão. É melhor você ir.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Ahhhhhhh a Beleza!!!



Essa noite eu pensei na beleza. Pensei no quanto a beleza é reativa, e nos diversos tipos de beleza que observo nas mulheres.

A beleza estonteante que faz parar os corações aflitos

A beleza delicada que nos desperta a vontade de protege-la

A beleza radiante que ofusca tudo a sua volta quando passa

A beleza recatada que remonta a outros tempos

A beleza da moda que nos é imposta a cada intervalo comercial

A beleza jovem que o tempo irá destruir

A beleza velha que o tempo torna serena a cada dia

A beleza pontual de caracteristicas singulares

A beleza de conjunto na qual várias elementos se harmonizam

A beleza cara que o dinheiro é bem capaz de fazer e conservar

A beleza torneada que inundas as areias das praia

Mas o que ela não sabe, é que a beleza que mais me atrai é justamente a beleza discreta...

domingo, 10 de julho de 2011

Sem Sentidos...

Toda vez que você passa pela rua com seu fone de ouvido
Indiferente ao mundo e sem saber que eu existo
Não escuta a melodia que eu canto sussurando
Para que ninguém descubra o que eu sinto por você

Toda vez que você passa pela rua com seus óculos escuros
Privando a visão do mundo do seu olhar azul profundo
Não enxerga o brilho intenso do meu olhar vagabundo
Que é o reflexo puro dos mais intimos sonhos meus

Toda vez que você passa pela rua, na sua boca um pirulito
Criando nos transeuntes mil desejos oprimidos
Não sabe que a minha vida perde o gosto e o sentido
Quando fico a imaginar o sabor de um beijo teu

Toda vez que você passa pela rua exalando seu perfume
Cada flor por onde passas chega murchar de ciúmes
Não faz ideia do tormento que causa em meu coração
Luto e perco a batalha, navego sem direção

Toda vez que você passa pela rua, mãozinhas dentro dos bolsos
Vai traçando seu caminho esquivando-se dos mortais
Eu sinto dentro de mim crescendo um desejo louco
De sentir seu leve toque em meu rosto uma vez mais

Fabiola na terra do fogo



Andava, porque perdeu o ônibus.

O sol estava quente. Quente demais para aquela época do ano.

De um lado ao outro calçadas sujas e mal conservadas.

Aproximava-se de um bar nojento que ficava na esquina.

Como de costume, os homens se prostavam à porta para vê-la passar enquanto lhe diziam palavras chulas.

E como de costume, baixava a cabeça, como se procurasse a origem daquelas palavras entre os vermes que rastejavam pelo chão.

Bastava continuar em frente, que tudo aquilo ficaria para trás.

Fabiola sabia disso. Por isso seguia andando.

Olhava para a frente e uma poeira suja lhe fazia serrar os olhos.

Por todo o lado, só via sujeira e devastação.

Parou por alguns instantes diante do ponto de ônibus.

Forçou a vista um pouco mais para o horizonte.

Ao longe, aqueles prédios da cidade lhe pareciam ainda mais distantes.

E o desânimo lhe oprimia a pouca esperança, que parecia a murchar diante o lírio de fogo que lhe cobria do céu.

Olhou mais uma vez para o ponto de ônibus e antes de continuar sua jornada pensou:

Talvez amanhã.

sábado, 9 de julho de 2011

Lagrimas...

Não há nada mais comovente que chorar sob uma torrente.
É como se o céu compartilhasse de nossas angustias, nossas dores, nossos pecados e nossas tristezas.
Como se todos os anjos chorassem conosco.
E se torna impossível para qualquer alma bondosa, tentar secar nossas lágrimas. Pois já não se distinguem as suas das lágrimas do mundo.
Mas a tempestade que lhe desce em prantos, é a mesma que divide de tuas dores, é a mesma que lava tua alma e rega teu espírito.
As lagrimas é o sinal que estamos vivos. E isso é o que mais importa

Tentei encontrar palavras minhas, mas elas elas já haviam sido escritas por alguém melhor que eu:

"Me disseram que você
estava chorando
Foi então que percebi
Como lhe quero tanto
Já não me preocupo
Se eu não sei porquê
As vezes o que eu vejo
Quase ninguém vê
Eu sei que você sabe
Quase sem querer
Eu quero o mesmo que você"

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Vazio... O frio vazio...



Eis que me surge então um vazio

Acordo e me encontro com essa sensação de ausência.

O dia começa e por mais que eu me esforce não consigo desvencilhar-me desta falta.

Com o decorrer das horas a rotina compete com a solidão.

Durante o almoço percebo que o sabor das coisas que outrora me agradara há muito desapareceu.

E o dia corre muito rápido. E sem avisar chega ao fim.

Cai a tarde, seguida da noite.

A tristeza então bate à porta. Desavisada, a solidão a convida para entrar.

A noite cai pesada como a própria realidade.

E em meio a escuridão da noite, passo a recordar de pensamentos que me elevam, pessoas que me completam. Passo a ver a vida com mais esperança.

Acho que a noite, sem poder usar os meus sentidos, minha alma é obrigada a confiar em meus instintos. E isso, não sei porque, me traz certa segurança.

Disperso todos os pensamentos e me entrego ao sono dos justos, que me reconforta, prometendo possibilidades no novo dia que virá amanha.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Em um momento...








Naquele momento, José Inácio levava o oitavo fora da garota de programa que não fazia fiado.


Naquele momento, Dona Maria Filomena de Jesus se recuperava depois de correr do Satanás por incansáveis nove horas.


Naquele momento, Isabella Shyfer, que na certidão de batismo da capelinha da pequena e pacata cidade de Riacho Seco chamava-se Antônio da Silva, sustentava a coroa de lantejolas e olhava com desprezo para suas concorrentes derrotadas no concurso de Miss Gay Jardim América.


Naquele momento, Nhô Pedro contava pela milésima vez o causo do peixe de dois metros e oitenta e cinco centimetros que falava ingles fluentemente, mascava chiclete-bola e contava piadas sem muita graça.


Naquele momento, o agrotécnico, Marcos Aurelio diante de uma plateia de peões-mente-suja, masturbava um touro POI para a coleta do semem que seria vendido em um leilão.


Naquele momento, a Doutora Andreia Guimarães, instrumentadora cirurgica do hospital de base, deu-se conta que a dor que o Senhor Manoel Paes sentia no seu abdomen rescém suturado após uma cirurgia, poderia ter alguma relação com o sumiço de um de seus instrumentos.


Naquele momento, o Senhor André Marques, diante dos agentes do Juizado de Menores, descobria que Ritinha, a garota que o acompanhava naquele motel barato da zona sul, tinha apenas dezesseis anos.


Naquele momento, o Doutro Eduardo de Catro, cientista da renomada academia de ciências de Varginha descobriu que as bacterias que habitam a remela dos cães são de coloração azul turqueza.


Naquele momento, Augusto estaria bebado em alqum boteco de quinta categoria em uma beira de estrada qualquer, tentando descobrir os segredos que teriam feito atlântida afundar no mar.


Naquele momento, Dona Dalva, estaria tirando o disfarce de mendinga, após um quente dia de esmoler, e retornando para seu apartamento no ultimo andar do residencial Taithi


Naquele momento, Marcel chorava desconsoladamente ao assistir casablanca pela decima segunda vez desque fora abandonado por Isadora.


Naquele momento, Israel se perguntava como ele que era de descendência alemã e Ursula que era de descendência franco espanhola puderam ter uma criança de pele e cabelos tão escuros.


Naquele momento, um casal cuja identidade não pode ser aqui revelada estaria se beijando às escondidas, levando adiante um amor proibido que sabiam terminar em tragédia.


Naquele momento, naquele ingrato momento, eu não sabia nada disso. Não sabia sequer sobre o que escrever. Deixei o tempo correr... porque aquele era só mais um momento.



Enganos




triiiinnnn... triiiiinnnn...

tocou o telefone

Minha angustia foi enorme. Corri a atender.

No caminho um copo foi ao chão.

Pisei no rabo do cachorro.

E só mais tarde, com o cheiro de queimado, descobriria que esquecera o leite a ferver.

Minha ansiedade era impossível de conter quando tirei o fone do gancho.

- Alô? - consegui dizer com uma voz comovida.

- Alo! - respondeu a voz do outro lado da linha - O Felisberto está?

- Não tem ninguém com esse nome aqui! - respondi quase sem animo para escuta-la dizer que era engano.

Pousei o fone no aparelho

Abri a janela

E olhei para o mundo alí do meu 18º andar, pensei com meus botões:

Maldito Felisberto!

terça-feira, 5 de julho de 2011

POR TRAS DA NÉVOA





Hoje cedo a neblina tomou conta da cidade

Uma névoa forte, molhada e densa.

Uma imitação da megalópole paulistana.

Todo marinheiro jovem teme o nevoeiro. Ele nos priva da visão, o sentido que o ser humano mais ultiliza.

E a grande maioria dos homens tem medo do desconhecido, a ponto de temer a Deus.

Olhar para frente, não ver nada e continuar seguindo em frente, é uma habilidade que sugere caracteristicas antagonicas: demonstra uma enorme incredulidade ou uma crença muito forte.

A Coragem é precedida ou pela ignorancia ou pelo conhecimento.

Coragem.

Aprendi que para ser valente é preciso cultivar valores.

Hoje olhei para o nevoeiro e consegui esboçar um sorriso. Como um capitão explorador que segue seu curso acreditando que logo ouvirá o grito de "terra à vista". Ou com um idiota que segue por um caminho sem saber aonde quer chegar.

Independente do que exista mais adiante, estou descobrindo e confiando a cada dia no que carrego comigo.

As incertezas que carregamos, muitas vezes são alimentadas por nossas incapacidades. Os fatores externos pouco influem quando estamos atentos e bem guiados.

Só rescentemente eu consegui compreender este verso:

"E é só você que tem a cura para o meu vício de insistir nesta saudade que eu sindo de tudo o que eu ainda não vi."

E a cada dia tenho valorizado mais a oportunidade de enfrentar nevoeiros.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

ESQUECIMENTO


Todos os dias que por ali passo eu o vejo.

Sentado em uma velha cadeira. Talvez o único objeto que ainda guardava a mesma idade que ele mesmo.

Sentado na porta de sua casa, ele pacientemente via o mundo passar.

Haviam se passado quase cem anos desde que aquele ser veio ao mundo.

E o mundo mudara muito durante todo este tempo.

Seu conceito de vida, veio decorado das cartilhas da alfabetização: "O ser vivo é aquele que nasce, cresce, reproduz e morre."

Ele havia nascido. Sequer atingiu uma estatura razoavel, em fim, quase mediocre. Mas cresceu. Sabia da existência de um filho, ou uma filha. Nunca soube ao certo.Assim, faltava-lhe apenas a morte para que sua existencia fosse completa. Mas a morte não chegava.

Viveu em dois séculos, e atravessou um milênio. Sentiu medo que o mundo acabasse naquela data profética. Não sabia porque, mas o medo veio vindo, e vindo... e como veio se foi, ao raiar do novo dia.

Presenciou duas grandes guerras e, daquela cadeira, viu valentes e valorosos darem suas vidas por seus ideais.

Durante toda a sua "vida" o mundo mudou. Ouvia o rádio assiduamente quanto jovem. Assistiu a televisão. E por fim, até sabia da existência da internet, mas nunca procurou saber nada a este respeito. Não havia interesse em qualquer outra novidade.

"Viveu" um dia após o outro, sem grandes ambições. Levando a vida e deixando que a vida o levasse. Trabalhou muitos anos na mesma ocupação, a qual aprendeu quando jovem e nunca abandonou seu oficio. Nenhum outro conhecimento o interessava.

Seu corpo, vai se decompondo com o tempo.

Sua existência em breve será esquecida.

Nada nem ninguém herdará seu nome que será esquecido nos velhos arquivos de alguma repartição burocrática.

Mas ele ainda está "vivo".

Passo em frente àquele velho "homem" todos os dias. E ao vê-lo sentado em sua velha cadeira, sinto medo.

Medo de que eu me perca em algum momento da minha vida, e minha existência se torne tão cinza, tão morna, tão irrelevante.

A ponto de ser desprezado pela própria morte.