segunda-feira, 17 de setembro de 2012

E foi assim que eu comecei


Quando nos sentamos confortavelmente na poltrona que fica no jardim ele retirou seu bloco de anotações do bolso e começou a me perguntar de forma bem descontraída:
- E aí? Você joga Paintball desde quando?
- Já faz muito tempo. Muitos anos.
- Profissionalmente?
- Não... profissionalmente eu jogaria se praticasse paintball para viver. Se eu vivesse do paintball. Mas para mim é só um hobby, um esporte, uma diversão.
- Mas você joga com seriedade. Tem time, tem campo, treina... posso dizer que é quase um profissional?
- O mais correto seria dizer que sou um jogador experiente.
- Certo! E por que você começou a jogar paintball?
- Pelo mesmo motivo que a guerra de Tróia começou.
- Fala sério!
- Estou falando sério. Não é brincadeira.
- Então você está me dizendo que começou a jogar paintball por causa de uma mulher?
- É isso aí. Comecei jogar paintball depois que uma mulher me deixou.
- E porque essa mulher te deixou?
- Porque eu comecei a jogar paintball!
- Calma, espera um pouco aí... - disse ele pausadamente, suspirando para não rir - Agora você me deixou sem entender nada.
- Vou te explicar desde o início. Eu era jovem e amava muito uma garota. Ao menos pensava que amava, e por ela eu fazia tudo.Sempre fui muito idiota quando o assunto era relacionamentos sérios. E mais idiota ainda quando eu começava a gostar realmente de uma garota. Até parece que elas sabem que você está gostando muito delas e fazem questão de deixar as coisas mais difíceis. Os bombons e as flores deixam de ser suficientes para agradá-las. Depois de certo tempo, nem mesmo os diamantes conseguem trazer de volta o brilho dos seus olhos. E a vida vai desmoronando, e você vai tentando se agarrar em alguma coisa para seguir em frente.
E naquela época, quando a coisa toda começou a azedar eu conheci os caras do Paintball e comecei a frequentar os campos. Fiz amizades, algumas inimizades também porque todos somos humanos e cometemos erros.
Com isso, deixei de levar tinta no sentido figurado e passei a tomar tinta no sentido literal da expressão.
A cada novo jogo, a cada nova missão, eu saía mais vivo do que tinha entrado. No início eu esquecia dos problemas durante os jogos, depois essa sensação de alegria e complemento foi se prolongando, entre os longos espaços de tempos entre os jogos. E por mais competitivo que eu fosse, ali eu não me importava em vencer ou perder, bastava lutar. Inconscientemente eu criara uma maquete do que é a vida... Uma luta constante. Esforço, dedicação, companheirismo. E essa irmandade que vai se formando, solidificando-se através dos vínculos e dos hematomas foi ficando mais forte do que eu imaginava.
E ela não gostava de competição. Não aceitava competição. Num belo dia de outono ela me colocou contra a parede, e pediu para eu escolher, ou ela ou o paintball.
E é por isso que eu estou aqui, vestido com essa farda, com essa máscara, segurando esse marcador como se este fosse o objeto que vai salvar a minha vida.
Fantasticamente, o paintball é a minha Legião Estrangeira e portanto eu me alistei aqui para me esquecer de um amor não correspondido.
- E a dor passou?
- Não importa... O que importa é que toda vez que eu saio de um jogo, eu tenho a certeza de que estou vivo e que viver vale cada instante quando se vive plenamente e bem.
Ele então ficou um longo tempo em silêncio... olhava para as anotações mas não anotava mais nada. Depois seu olhar se transferiu para o jardim. Mas ele parecia estar olhando para o passado, talvez para o futuro. Então se levantou, veio até mim e me abraçou formalmente. Agradeceu pela entrevista e se foi.
Dias depois, eu o reencontrei. Estava mudado. Vestia uma farda camuflada, segurava um marcador de iniciantes, como quem segura em seus braços seu grande amor. Ele não disse nada, apenas me acenou com a cabeça formalmente.
Não sei dizer ao certo, mas acho que ele parecia feliz.
Como veterano, eu não sorri... apenas disse formalmente:
- Bem vindo ao fronte soldado!
- Para mim é uma honra lutar ao seu lado Senhor... - respondeu-me ele com a voz embaçada.
E os adultos foram brincar de guerra naquele sábado ensolarado.


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