quarta-feira, 2 de julho de 2008

VÍCIOS MODERNOS








Era sábado à tarde quando no vai e vem movimentado dos corredores do Shopping, que Roberto, ao sair da loja de CDs encontrou seu amigo Marcão sentado em uma mesinha em frente às lojas de doces.
- Fala aí Marcão! Você por aqui?
- E aí Beto. Vim almoçar e acabei matando o tempo. Senta aí e me conta as novidades. Comprando muito?
- Pois é velho, vim comprar alguns CDs.
- Eu estou vendo. Mas... isso tudo aí são CDs? Devem ter mais de 30 CDs nessa sua sacola. Não é muita coisa não?
- Pois é... Mas fazer o que? A final, eu sou viciado em CDs. Vai me dizer que você também não tem algum vício?
Marcão ficou em silêncio, como se não tivesse escutado aquela pergunta.
- Em Marcão? – insistiu Roberto – Diz aí! Você também deve ter o seu vício.
- Esquece isso, é melhor mudar de assunto.
- Qual o que? Que mudar de assunto que nada! Não precisa ficar com vergonha. Todo mundo tem algum vício. Não é vergonha nenhuma expor o seu a um amigo.
- Não é isso não. Sei lá... só não gosto de comentar esse lance. Só isso.
- Deixa de besteira Marcão. Pode falar. Não precisa se preocupar. – insistia Roberto, agora quase não se contendo de tanta curiosidade.
- Está certo, Beto. Mas queria te pedir para não contar para ninguém.
- Opa, Opa, Opa... Está me estranhando Marcão? Somos amigos! Você se esqueceu? O que quer que você venha a me contar, por mais estranho ou esquisito que seja, vai morrer aqui! Você sabe muito bem disso. Mas me conta logo. É alguma coisa bem cabeluda não é? Alguma coisa bem pervertida, logo vi! - continuava Roberto já não conseguindo mais se conter.
- Para com isso Beto! Olha aí. Já começou a sessão-besteira. Não é nada disso. Só que eu acho que meu vício é meio estranho. Só isso!
- Está bem. Mas vai me dizer ou não?
- Então... - começou Marcão meio constrangido - Eu sou viciado em celular.
- Como? Celular?
- É celular! Por que? Não pode?
- Pode! É claro que pode. Só que... – continuou Roberto meio decepcionado - Esse seu vício não tem nada de estranho não. Não vejo nada de estranho em ser viciado em comprar celular. A final muita gente gosta de trocar de celular.
- É... mas acho que você não entendeu. Eu cheiro celular!
- Como é que é? – perguntou Roberto assustado - Você cheira celular?
- Olha aí está vendo... - resmungou Marcão que naquele momento já tinha se arrependido de deixar aquela conversa ter ido tão longe. – é por isso que eu não gosto de comentar esse assunto com ninguém.
- Mas é realmente estranho! É a primeira vez que vejo alguém viciado em cheirar celular!
- Fala baixo Beto! - interrompeu Marcão - Você está louco? Não acabei de falar que não gosto de comentar isso?
- Eu sei, desculpe. Mas me conta aí, como foi que isso começou? Cara é muito louco!
- Acho que começou quando eu tinha uns 13 anos. Meu pai apareceu em casa com um Motorola tijolão, que ele havia acabado de comprar. Era a maior novidade. Já no primeiro dia, quando o celular ficou sobre a mesa e não tinha ninguém olhando, pintou aquela vontade de cheirar aquele telefone. Essa vontade chegou do nada e tomou conta de mim. Não resisti. Peguei o celular e levei para o meu quarto.
- Mas e aí? Como é que foi?
- Cara! Foi doido demais! Foi a sensação mais louca que eu já senti em toda a minha vida. Depois daquela primeira cheiradinha, eu não consegui mais parar. Sempre que o meu pai descuidava, eu levava o celular dele para o meu quarto e ia cheirar escondido. Foi assim até eu comprar meu primeiro celular. Era um nokia daqueles mais antigos, com a anteninha externa, visor monocromático. Simples mesmo. Mas era o máximo. Cheirei tanto que o aparelho desbotou.
- Ta brincando?
- Sério velho!
- Caraca! Pirei pra você!
- Pirou? Mas então, deixa eu te contar. O mercado de telefonia móvel aumentou, empresas novas apareceram com aparelhos cada vez mais cheiráveis. Eu vivia trocando de aparelho. Tinha mês que tudo o que eu ganhava no trabalho, usava para trocar de celular, comprar os novos lançamentos. E toda semana tinha lançamento. Aqueles com as anteninhas externas eram o máximo, além de cheirar pra caramba eu ainda enfiava a anteninha dentro do nariz, só para sentir aquela coceirinha enquanto cheirava. Aqueles que abriam em duas partes que nem um livro então, eram meus preferidos, porque eu fechava as duas partes em meu nariz e cheirava até cansar. Só não curtia muito os celulares da Erickson, que me davam uma puta dor de cabeça. Mas é isso aí. Você me perguntou.
- Caraca velho... muito estranho.
- Pois é... fazer o que? Vicio é vicio.
- E hoje você ainda cheira assim?
- Às vezes eu ainda dou uma cheiradinha, mas não tanto quanto antes. Mas Beto - falou Marcão já se levantando - Vou indo nessa! E por favor... já sabe, não é?
- Pode ficar tranqüilo meu irmão. Esse assunto morreu aqui.
E cada um foi para seu lado.
Roberto, no caminho para casa, demorou um bom tempo para tentar entender o vício estranho do seu amigo.
Em casa, ainda perplexo com o que ouviu de Marcão, sentou ao sofá e começou a desembrulhar seus CDs. “Pensando bem... cada um com o seu vício” – pensou Roberto em quando abria cada um de seus CDs. A cada CD aberto, ele começava a lambe-lo. E a cada lambida um êxtase inexplicável tomava conta do seu ser.







PEDRO FELDON

Um comentário:

Marcelino disse...

Esse final é digno dos contos machadianos, ou de algum texto de Nelson Rodrigues. Muito interessante. Parabéns.