quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ELEIÇÃO NO INTERIOR


Neste domingo Dona Jandira vive um dia todo especial. Isso porque, Dona Jandira, no auge dos seus 73 anos, é  louca por eleições. Mesmo estando desobrigada pela lei de votar, Dona Jandira jamais abriria mão desse direito constitucional de escolher seu governante. E essa é sua eleição predileta. Dona Jandira adora votar para prefeito. Tudo bem que é bom escolher o presidente, o governador, senadores, deputados... Mas escolher o prefeito e o vereador, é algo que a deixa estasiada. Talvez porque esses personagens lhe são mais próximos, estão na sua cidade. Ela não perde um comício, uma reunião do partido, uma passeata... Dona Jandira está em todas.
Como toda eleitora que se prese, ela adora quando seu candidato ganha a eleição. E é por este motivo que dona Jandira faz uma pesquisa criteriosa para decidir em quem votar, e o escolhido naturalmente será aquele que tem mais possibilidades de ser eleito. Não importa o passado do candidato, não importa a plataforma eleitoral, promessas... nada... a única coisa que realmente importa para ela é saber se o danado tem chance de ganhar, e com isso ela o escolhe imediatamente.Todos os cabos eleitorais já conhece a nobre senhora. E nas vésperas das prévias e conchavos políticos, os representantes dos candidatos ficam sondando a velha senhora. Adulando-a, dando-lhe presentes para ganhar sua simpatia. A final, que marqueteiro não gostaria de uma idosa senhora animada espontaneamente para aparecer nos vídeos e campanhas em prol do candidato? Mas nem dinheiro nem promessas influenciam sua escolha na hora de decidir em qual candidato votar. Ela tem plena consciência de que deve escolher aquele que vai ganhar.
E nestes muitos anos de eleições, dona Jandira sempre acertou na escolha para prefeito. O que lhe deu a fama de "eleitora pé-quente"!
Depois de escolhido seu candidato, Dona Jandira se dirige ao comitê eleitoral do mesmo para se municiar de todas as armas necessárias para lutar na campanha: adesivos, bandeiras, faixas e santinhos... muitos santinhos.
De posse do material, Dona Jandira começa sua peregrinação, quem mais sofre é o padre Pedro e o seu filho Juarez.
O pobre do Juarez, sempre ressentido por não ter se casado e por viver em um barracão dos fundos no lote da casa da mãe, é um dentre muitos empregados fantasmas da prefeitura. Recebe um salário todos os meses, do qual metade vai para a mulher do prefeito, e a outra metade ele usa para sobreviver, já que nunca foi muito adepto ao esforço e ao trabalho.
Juarez, é o carregador oficial do material de campanha da Dona Jandira. Que logo cedo se dirige à feira para pedir votos ao seu candidato. Não há aquela vivalma que passe por ela sem receber um santinho e ouvir uma ladainha sobre a importância e a honestidade do seu candidato, mesmo que o tal seja publicamente o corrupto  mais desprezível da cidade.
Aos domingos, padre Pedro sofre com a abordagem direta de Dona Jandira aos paroquianos ainda dentro da igreja antes e depois da missa. Por mais que tente argumentar com a velha senhora, o padre sempre escuta da mesma que está em uma missão de deus, e que portanto tem todo o direito de distribuir seus santinhos onde tiver a oportunidade.
A grande maioria das pessoas aceitam o santinho e a escutam por educação aos cabelos brancos da velha senhora. Mas alguns, geralmente seus contemporâneos, se empenham em ferrenhas discussões sobre a qualidade ou a desqualificação dos candidatos. E com isso Dona Jandira encontrou no banco da praça o seu maior e mais perigoso arquinimigo. Seu Antenor.
Seu Antenor é um ex trabalhador da empresa de iluminação publica, ex membro do sindicato da categoria, hoje aposentado aos seus 81 anos e eterno esquerdista. E para ele, esquerda é justamente aquele candidato desgraçado que não tem a mínima chance de ganhar. Na sua visão, este pobre azarão é a representação viva e clara das classes menos favorecidas, e espera que deus lhe conceda mais alguns anos de vida para que possa um dia enxergar por trás das grossas lentes de seus óculos, um legítimo representante do povo assumir o poder para o povo.
Em véspera de campanha, quase que diariamente, o banco da praça que fica embaixo do pé de amendoeira vira o palco das maiores batalhas eleitorais da cidade. De um lado, Dona Jandira defendendo seu candidato que é violentamente atacado pelo Seu Antenor.
Quando a velhinha aponta na rua que morre na praça, o povo já deixa o que está fazendo para ver o bate boca dos cabos eleitorais. A idosa conservadora chega a soltar uma espuma branca no canto da boca de tanto discutir com o velho revolucionário, que em meio a gritos e chingamentos faz uso de sua bombinha respiratória para recuperar o folego perdido. Não foram poucas as ocasiões em que, de tanto gritar, um ou outro, às vezes os dois, chegam a perder a voz.
Mas é no final de semana das eleições que Dona Jandira costuma dar mais trabalho. Principalmente para o Dr. Teodorito, delegado da cidade. Compra de votos, chantagens emocionais e até mesmo pragas e maldições são usadas pela doce senhora em busca do favorecimento de seu candidato. Certa vez, o próprio Dr. Teodorito foi obrigado a intervir, invadindo a casa de Dona Jandira e resgatando o finado Antão Pereira, na época marido de Dona Jandira, que estava amarrado na cama, obra da própria Dona Jandira, porque tinha cismado que o velho iria votar em outro candidato.
Como diz o seu Petrolino, cachaceiro oficial da cidade e violeiro nas horas vagas: "Política no interior é uma festa!"

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