quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Quase um Sherlock Holmes


Nem bem eram oito horas da manha quando um sujeito aparentando ter por volta dos quarenta anos de idade adentrou no recinto do trigésimo sétimo distrito policial da cidade. Fato notadamente normal, não fosse os diversos hematomas, escoriações e bandagens no qual se encontrava envolvido.
Imediatamente todos voltaram seus olhares ao visitante que a cada passo que dava soltava um gemido.
Parou diante o balcão da recepção e após algumas palavras foi conduzido diretamente à presença do Doutor Augusto Mascarenhas, delegado plantonista naquele dia.
O Delegado encontrava-se em seu gabinete, e ao receber o depoente, endireitou seu pesado corpo para soltar a barriga que estava presa sob o tampo da mesa.
- Bom dia cidadão, vamos sentando. - disse o delegado lhe apontando a cadeira e observando a dificuldade daquele homem em tomar assento entre os gemidos e contorções. Pacientemente o Doutor Delegado esperou que ele estivesse sentado e começou a perguntar: - Então meu senhor? Qual é o seu nome?
- José Eduardo Martins e Silva.
- Casado? Solteiro?
- Divorciado.
- Profissão?
- Contador.
- E o Senhor conta o que?
- Eu trabalho na contabilidade de uma empresa Doutor. (gemido)
- Certo, então me diga, o que foi que lhe aconteceu?
- Doutor. Nem eu mesmo sei explicar o que foi que aconteceu. Eu estava ontem lá em casa tranquilo após um dia cansativo de trabalho quando tocaram a campainha. (gemido) Fui até o portão, e quando abri, três homens entraram já me empurrando. Dois deles mais fortes me seguraram e o outro mais de idade falou: "Então você é o tal do sedutor, heim?" Então baixaram o cacete. (gemido)
- Realmente, seu estado é deplorável. Mas me diga: Você é o sedutor?
- Que sedutor Doutor?
- Eu sei lá... provavelmente o sedutor que os agressores estavam procurando.
- Sou eu não doutor... (gemido) eu nem ando dando atenção para mulher ultimamente. Perdi a minha e não estava querendo arrumar confusão pro meu lado. Mas parece que a confusão é quem me procura. (gemido)
- Anote aí Dona Matilda. Que o depoente não gosta de mulher.
- Não! Não é isso não! (gemido)- disse o cidadão que só naquele momento dera conta da presença da escrivã que estava no fundo do gabinete- Não é isso não Doutor... Eu gosto de mulher.
- Gosta mesmo?
- Claro que eu gosto!
- Muito ou pouco?
- Muito...
- Então anote aí Dona Matilda, que o depoente é perdido por um rabo de saia.
- Pelo amor de Deus Doutor... eu não disse isso não. Eu gosto de mulher como todo mundo. Eu gosto normal. Que nem o senhor. O senhor também não gosta de mulher?
- Claro que eu gosto! Mas o sedutor aqui não sou eu!
- E nem eu!
- Então porque te bateram?
- E eu lá sei? É por isso que estou aqui na delegacia.
- Veja bem Dona Matilda... Mas um caso complicado e de difícil elucidação.
Dona Matilda sequer levantou os olhos da tela do computador, limitando-se apenas a proferir um mísero "hum rum..."
- Mas Senhor José Eduardo - continuou o delegado - o Senhor deve ter aprontado alguma... Não é possível. Certamente deve ter se envolvido com alguma mulher casada, ou com alguma jovem donzela. Tente se lembrar.
- Doutor, eu já disse. Ultimamente tenho vivido uma vida de cão. Não tenho olhos para mulher alguma.
- O Senhor tem algum problema com algum vizinho?
- Não senhor. Eu me dou com todos eles.
- Anote aí Dona Matilda. Que o depoente tem dado com todos os vizinhos.
- Como assim Doutor?
- Eu sei lá... Foi o Senhor quem falou.
- Mas eu disse que me dou bem com os vizinhos. Não é nada disso não. Eu quis dizer que não tenho problemas com meus vizinhos. Gosto de todos eles.
- Gosta dos seus vizinhos?
- Sim.
- Até dos vizinhos homens?
- Sim.
- Anote aí Dona Matilda. Que o depoente gosta de homens.
- Não! Não anota isso não Dona Matilda! Doutor... O Senhor está de brincadeira?
- E isso aqui é lugar de brincadeira cidadão? Você fica por aí futricando com quem não deve, é justiçado por algum pai ou marido desonrado e vem aqui perguntar se eu sou palhaço?
- Mas... Mas... Não é nada di...
- Silêncio! Isso está me cheirando a um caso de estupro presumido! Desde o momento em que você entrou por aquela porta eu vi que havia algo de errado. Bem que eu notei que você faz bem o tipo daqueles que não prestam. Ribamar! Jackson! Autuem esse sem vergonha aqui.
- Doutor! O que é isso Doutor?
- Cale a boca vagabundo! Tira esse sem vergonha da minha frente. Coloquem ele na cela coletiva e deixa os caras brincarem com esse estuprador de criancinha.
- Não! Doutor... Pelo amor de Deus! Gritava o pobre que ia sendo arrastado por dois oficiais em direção ás celas.
Doutor Augusto Mascarenhas respirou fundo se levantou e olhou pela janela enquanto dizia.
- Percebeu Dona Matilda? Esse safado quase que nos passa a conversa. Não fosse meu faro investigativo...
Dona Matilda preocupada em como reduzir a termo aqueles acontecimentos, sequer levantou o olhar, limitando-se apenas a responder com seu característico "hum rum".

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