terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Mais um dia de paintball

Há muito tempo que eu jogo paintball, e durante todo esse tempo tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas dos mais diferentes tipos, diferentes estilos e trejeitos. Fiz muitos amigos, muitos companheiros e nunca fui de fazer inimigos. Mas reconheço que algumas pessoas simplesmente passaram sem deixar saudades.
E o contato com tanta gente diferente me rendeu muitas histórias para contar. Essa história me foi contada por um amigo, que jura que a história é verdadeira, e se for, é definitivamente a história mais cabulosa que já ouvi no paintball cenário.

Eu sempre gostei de jogar como sniper. Com o tempo fui montando o equipamento ideal. Uma tippimann A5 com cano hamerhead para dar precisão sem aumentar muito o tamanho do cano. Para suprimir o som, coloquei um orange bolt que funcionou quase como um silenciador. E uma pistola TPX para quando alguém chegasse perto demais, a ponto de não conseguir virar a direção da A5 a tempo.Treinei muito no quintal da casa da minha avó. Resolvia a parada com pouco tiro. Mas meu forte, minha especialidade, era a camuflagem. Eu tinha vários tipos de fardas, uma para cada ambiente, e incrementava a camuflagem com galhos, terra, folhas, tudo o que precisasse. Aprendi a ter paciência, esperar a oportunidade certa, e por isso passava desapercebido durante os jogos. Geralmente eu era o primeiro a entrar na mata e o ultimo a sair. Não foram poucas as vezes em que os caras pisavam em cima de mim sem saber que eu estava ali. Por esse motivo, ganhei o apelido de Surpresa. Camuflado, ali na mocó, eu vi muita coisa. Vi muito Highlander limpar as marcas de tinta quando pensava que não havia ninguém olhando. Vi algumas quedas e capotes hilários de alguns despreparados que me fizeram conter o riso para não denunciar minha posição. Mas nada do que eu vi nesses anos de paintball chega nem perto do que eu vou contar.

Certa vez, chegou um cara novo para jogar com a gente. Como ficou pouco tempo, o apelido dele era Novato. O Novato era um carinha educado. Muito calado e na dele. Vindo de uma boa família, criado com todynho e sucrilhos, era daqueles caras que quando menino, não brincou na rua, não machucou, e para ele, o paintball era um sonho realizado. Tinha acabado de descobrir o paintball cenário, e estava pilhado lá do modo dele. Comprara uma Alpha Black, um marcador que para mim só dá duas alegrias, uma quando você compra e a outra quando você consegue empurrar em algum iniciante que fica babando no visual da arma do Rambo. Para piorar, ele tinha arrumado uma farda da tropa de choque, com uma camuflagem preta, cinza e azul, totalmente imprópria para a mata. Mas ele estava feliz e isso era o que importava. Como ele era um cara legal, a galera tinha muita paciência com ele.
Naquele final de semana o jogo era numa mata fora da cidade. A galera ia jogar com um time do interior, muito organizado. Os caras do time eram como um pelotão do exercito, com hierarquia, treinamento, disciplina e uniformes próprios. E apesar de inicialmente parecerem arrogantes e prepotentes, eram uma turma muito legal e prestativa com qualquer um que desejasse jogar paintball. Mas para toda regra existe uma exceção. E naquela equipe, a exceção tinha mais que um nome, tinha uma patente. Ele se auto apelidava de Coronel.

Nunca tive problemas com o Coronel, mas confesso que era um cara difícil de se conviver.  Implicante, ignorante, vaidoso, orgulhoso, temperamental, irritadiço, com mania de poder e grandeza. O típico cara que não conseguiu virar militar, e não passaria em nenhuma exame psicotécnico de um concurso ou curso que lhe permitiria portar uma arma de fogo. Vivia criando confusão dentro do próprio time. Queria criar uma série de regras para os jogos, com castigos físicos e humilhações para os perdedores, entre outras idiotices. Não foram poucas as vezes que parou um jogo na metade da partida com palavrões e xingamentos, expulsando um de seus jogadores por não ter cumprido uma ordem. Certa vez, o vi fazer um cara recém iniciado em seu time pagar 20 apoios enquanto ele gritava e cuspia insultos sobre o desgraçado. Minha sorte é que não morávamos na mesma cidade. Até mesmo os caras do próprio time já estavam gelando ele, evitando chamá-lo para os jogos. Mas naquele dia o Coronel acordou cedo e foi jogar.

Chegamos de viagem, fizemos os preparativos na zona salva, dividimos os times e começamos um jogo com missão que seria muito demorada, explorando a mata muito grande e bem delimitada por uma cerca. Entrei primeiro na mata, e após percorrer pelo menos uns 700 metros do centro da zona de jogo encontrei um barranco coberto por uma vegetação baixa e densa, perfeita para uma camuflagem ideal. E ali eu me posicionei e fiquei esperando meus alvos. Mas aparentemente calculei errado. Já havia se passado mais de 45 minutos de jogo e aparentemente a ação estava acontecendo em outro ponto da mata. Pássaros cantavam sobre as arvores, um calango passara perto de mim, e nada de jogadores. Passada quase uma hora, vi um jogador se aproximar correndo em direção a minha posição. Pela farda eu reconheci o Novato que naquele jogo era parte do meu time. Mas no seu encalço se aproximavam 3 inimigos que o cercaram. Com medo de tomar tinta, o Novato se entregou. Dalí, eu não poderia derrubar os 3, tanto pela distância quanto pela posição. Com sorte, apenas um deles cairia, e portanto eu seria alvo dos outros 2. Resolvi esperar. Ainda podia salvar o Novato e recoloca-lo no jogo. Mas, infelizmente, um dos inimigos era o Coronel.

- Homens, vocês voltem para a trilha da direita que eu vou conduzir o prisioneiro - disse o Coronel.
Os dois paus mandados voltaram pelo mesmo caminho por onde vieram enquanto eu fiquei esperando o momento ideal para derrubar o Coronel.
Sinceramente, eu podia tê-lo derrubado assim que os outros dois desapareceram, mas  confesso que fiquei curioso para saber o que o Coronel iria aprontar. Então, continuei observando enquanto ele falava com o Novato:
- A coisa que eu mais detesto é covarde. No meu time não fica covarde. Porque isso aqui é uma coisa séria. É guerra! Você já esteve numa guerra soldado? - perguntou o Coronel tirando uma algema do bolso da farda.
- Não, nunca estive. - disse o Novato achando graça do que estava acontecendo.
- NÃO SENHOR! SOLDADO! EU NÃO TE FALEI QUE ISSO AQUI É UMA GUERRA?
- Sim Senhor - respondeu o Novato assustado enquanto o Coronel agressivamente lhe algemava em um galho de uma arvore.
Naquilo eu já estava me segurando para não rir daquela confusão, quando o Coronel surtou geral:
- Numa guerra soldado, acontece de tudo! Só quem já esteve na guerra é que sabe o que acontece no meio da batalha. Você sabia que tem muita gente estuprada na guerra soldado?
- Olha cara, vamos parar com essa brincadeira? Bo-Bora parar com isso.- disse o Novato assustado
- Sabe que horas é agora soldado? É A HORA DO ESTUPRO!
Imediatamente, coloquei meu marcador no RT, e me preparei para sentar o dedo no gatilho e descarregar tudo o que tinha no loader tático quando o Coronel baixasse as calças. Mas não deu tempo.
O Novato não esperou nem um milésimo de segundo. Deu um puxão com tanta força que quebrou o galho da arvore e saiu correndo, gritando e derrubando tudo o que tinha pela frente. Largou a marcadora e disparou em direção aos carros. Até hoje não sei como o Novato conseguiu dirigir até a cidade algemado. E nunca soube como ele tirou aquelas algemas. Na verdade, depois do ocorrido, ele nunca mais apareceu num campo ou num jogo outra vez. Ninguém nunca soube, até hoje, o que realmente aconteceu naquele dia. O Coronel só disse que brincou com o cara e ele apelou, mas nunca entrou em detalhes.
Quando eu resolvi narrar essa história, decidi aproveitar para deixar um recado para o Novato: Sua Alpha Black ficou com o Coronel... 

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