terça-feira, 5 de agosto de 2014

O retrato da primavera

Eu estava sob a marquise enquanto Jéssica descia a rua. Chovia forte naquele dia escuro apesar de ainda ser pouco mais de meio dia.
Caminhava pela rua enfrentando uma torrente de água que descia pela sarjeta enquanto segurava seu guarda chuva novo com lona rosa e cabo de madeira.
Fiquei observando a firmeza de seus passos enfrentando a corrente que se intensificava com o passar do tempo. O vento forçava o guarda chuva como se tentasse tomar de suas mãos. Mas ela resistia bravamente. Era um guarda chuvas do tipo que não se fabricam mais, aqueles de cabos de madeira e lona reforçada. Uma lona com motivos florais, que faz lembrar as antigas cortinas da casa de nossa avó materna. Talvez por isso ela goste tanto deste guarda chuvas.
Com ele seguro em suas mãos ela sai para desfilar sob o temporal mais terrível. Raios e trovões não a amedrontam. Vai pisando firme com sua galocha branca e empunhando seu guarda chuvas, que mais parece um retrato da primavera nesta chuva de verão

As dificuldades em se escrever uma história de amor

Pensei em escrever uma história de amor.
Mas toda história de amor precisa primeiramente de dois personagens. Como ainda sou meio antiquado, gosto das coisas tradicionais, resolvi que os personagens seriam um casal, ele e ela, um homem e uma mulher. Mas tinha que ser um homem mesmo, não desses vampiros do crepúsculo, por que esse tipo de homem mulher de verdade alguma quer saber deles.
Precisava também de um lugar. Um lugar bacana onde eles iriam se encontrar e onde toda a história vai acontecer. Escolhi uma cidade, ou melhor, duas cidades. A distância é uma arma poderosa em uma história romântica. Para isso eles devem morar em lugares diferentes, nem muito perto, e nem muito longe, porque ninguém suporta amores platônicos por muito tempo. Falando em tempo, essa história deveria se passar nos dias de hoje. Hoje em dia todos tem pouco tempo para amar, talvez essa história seja inspiradora.
E eu precisava de uma música.
É mais gostoso criar um romance com a ajuda de uma música tema. Decidi tirar do fundo do baú. Nos idos dos anos 80, uma música do Kid Abelha, cuja a letra fala assim:

Ovos quentes e café na cama
As suas lágrimas no meu pijama
Você não pode me cobrar
Pelo que deu de graça
Sempre inventando
Mais provas de amor
E só me abraça pra sentir o efeito
Acho que a sua inspiração
Está em livros de direito
Talvez eu tenha ganho
Mais que eu tenha dado
Mas contas de amor
Sempre dão errado
Você me lembra histórias do passado
E tudo mais pra eu me sentir culpado
Amor por retribuição
Você só pode estar de brincadeira
Pingüins em cima de geladeiras
Valem tanto quanto um beijo por compaixão
Ovos quentes e café na cama
Eu sei de tudo que você trama
Os mesmos truques de manhã
Você já não me engana
Não se importa em estar apaixonado
Só pensa em datas e compromissos
Seus beijos uma vez por mês
Não quero nada disso


Um história que já começa pela metade, com a garota puta da vida com o carinha que pisou na bola, porque todos eles pisam. Mas ele pisou feio, daquelas escorregadas vulgarmente chamadas de batom na cueca (não tem como explicar). Mas ela vai perdoa-lo, não porque ele é a melhor pessoa do mundo, na verdade ele não vale nada. Mas mesmo assim ela vai,  porque ela é fraca, frágil e não tem força para viver longe deste tipo de homem. Ela já está conformada, as amigas dizem que tem o dedo podre. O padre cansou de avisar. Mas ela está apaixonada. Jogaria sua vida fora, ou melhor na privada, e não hesitaria em dar descarga a uma ordem dele. Mudaria de religião, de time de futebol, bateria na própria mãe por ele. E ele?

Bem, não temos muito o que esperar do nosso herói, além do fato de que não terminou os estudos e não trabalha. Tem um carro que foi presente do pai que morreu a pouco tempo e deixou alguns bens que não vão durar mais um ano. Vive de festa em festa, com amigos mais mais falsos que o rolex que ele sustenta no pulso.
 Mas quem escreve, tem obrigações para com seus personagens. Tem deveres. É como criar um filho, neste caso, dois. Esses dois me acordaram essa noite, me exigindo uma solução para seus problemas. E isso é virar um jogo que se está perdendo de 3 nos acréscimos finais do segundo tempo. E sinceramente não estou afim de fazer as vezes de cupido.