Eis que aquele homem coberto de poeira da estrada se senta em uma arquibancada de paus estreitos, espremido entre a plebe daquela pequena cidade na qual acabara de chegar.
Debaixo da lona cheia de buracos por entre os quais brilham estrelas hoje tão sentidas por não serem a atração principal, ele olha para tudo embevecido, encantado. No rosto carrega a mesma expressão das crianças que divertem com as trapalhadas dos palhaços de bocas sujas e gestos obcenos. E tal como as crianças ele também se assuta com o homem que engole espetos, e é surpreendido, chegando quase a cair da arquibancada, quando aquele mesmo homem cospe em sua direção uma grande bola de fogo.
Suas mãos ardem de tanto aplaudir.
Passado os sustos surgem novamente os palhaços com suas traquinagens, e a expressão de seu rosto retoma o brilho de outrora.
Ainda estava embevecido com tudo aquilo quando o apresentador com sotaque estrangeiro apresenta a atração principal. Mas ele não consegue entender nada que o homem de cartola fala, e isso faz aumentar ainda mais a sua espectativa.
As luzes então iluminam o alto do picadeiro, onde em uma argola prateada está pendurada uma garota, que lentamente vem descendo acompanhando a movimentação da luz.
Ela olha para o público, com seu olhar meigo de menina moça. E em seu pobre coração, ele imagina que aquele olhar é somente para ele.
Já não escuta mais nada ao seu redor. Nada nem ninguem é capaz de tirar o foco da sua visão daquele ser que flutua sobre o picadeiro.
Uma doce música acompanha a apresentação, e enquanto ela desliza pelo céu sobre sua cabeça, fazendo com que se sinta verdadeiramente no céu. Como se Nosso Senhor, sempre bom e caridoso tivesse lhe enviado um anjo.
E durante aqueles instantes ele se esquece da pobreza, das misérias do mundo, da maldade, da fome, da morte. Esquece de onde veio e para onde vai, os motivos que o trouxeram e as causas que lhe fizeram partir. Esquece de seus pecados, medos, incertezas e inseguranças.
De boca aberta ele simplesmente olha o céu, e sente no peito um sentimento que nunca antes sentira, e que nunca conseguiria explicar. Mas saberia dizer com certeza que era a melhor coisa que já sentira em toda sua vida.
Então, junto com a música, a apresentação vai chegando ao fim. A doce garota desaparece na escuridão do picadeiro. E o sentimento de alegria em seu peito dá espaço à uma tristeza profunda.
As luzes se acendem, o povo vai desempuleirando daqui e dali, procurando a saída. Enquanto isso, ele continua sentado olhando para o vazio.
Vazia também ficou sua alma ante a realidade das luzes do fim.
Ele sai.
E olhando em volta procura encontrar mais uma vez aquela visão que irá acompanha-lo pelo resto de sua despresível existência. Mas seus olhos nada encontra.
Talvez fosse melhor assim.
Imprevisivel a reação que teria ao encontrar em meio a escuridão dos camarins o lindo e meigo rosto da bailarina trapezista banhado em lágrimas de tristeza e solidão.
(FELDON)
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
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